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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
Tacacá: Uma bebida ou uma refeição?
14:25 |
Postado por
Andrew Botti
Consumir um tacacá pela primeira vez pode virar aventura gastronômica. Depois de ter escolhido um ponto ou banca de tacacá, quer dizer, um lugar de venda na rua, o cliente se instala em um assento de plástico, colocado na calçada, para degustar uma mistura escaldante que lhe é servida em uma cuia. Os ingredientes, retirados de recipientes distintos em una ordem precisa, são misturados na sua frente segundo as proporções que deseja3:pimenta, tucupi (sumo de mandioca brava, fervido com ervas),goma (preparado viscoso e transparente feito de amido de mandioca),jambú (folhas cozidas que entorpecem os lábios), camarões secos. O cliente compõe livremente seu prato, especificando suas preferências, “pouca goma”, “sem pimenta” etc., mas sob todas as variantes possíveis, um tacacá é sempre um tacacá.
Que prato é este? Uma sopa, um caldo, uma bebida? As opiniões estão divididas entre os consumidores e os escritores (Orico, 1972; Tocantins, 1987; Câmara Cascudo, 2004) na hora de categorizar este alimento que acumula paradoxos: ele é uma bebida que se come, um caldo quente que refresca, uma especialidade do interior4, mas que é especificamente urbana. Todos concordam, contudo, ao reconhecerem que o tacacá é um dos pratos mais «típicos», uma «especialidade fundamental do Pará», mesmo se ele é consumido em outros estados da Amazônia (Amazonas, Amapá, Roraima, Rondônia, Maranhão, Acre).
O tucupi, ingrediente de base do prato, é « o mais importante » e sua qualidade «faz toda a diferença». Exige um longo e complexo processo de transformação a partir das raízes da mandioca. Entretanto, pode ser comprado diretamente das tacacazeiras nas feiras de Belém e, há uma dezena de anos, em certos supermercados. Para a obtenção do tucupi, ralam-se os tubérculos de mandioca brava, se espreme o sumo que se deixa repousar em seguida. Depois de se extrair o amido, ferve-se longamente para eliminar o ácido cianídrico que ele contém5. O liquido amarelo alaranjado obtido desenvolve sabores que podem variar segundo as variedades de mandioca utilizadas: as de Santarém, por exemplo, resultam em um tucupi de sabor doce (algumas tacacazeiras de Belém procuram imitar esse gosto adicionando açúcar ao tucupi).
O gosto do tucupi varia, ainda, em função das ervas e temperos que são acrescentados ao sumo de mandioca em ebulição: alho, pimenta (denominada de cheiro, uma variedade pouco ardente de Capsicum frutescens) e duas ervas que são utilizadas conjuntamente, formando um «casal» inseparável: a chicória(Eryngium foetidum)e a alfavaca, um manjericão regional. Para desgosto dos puristas, certas cozinheiras acrescentam também urucum (Bixa orellana) para colorir o tucupi. Outro ingrediente indispensável e característico do tacacá é o jambú (Spilanthes acmella), cujas folhas são preparadas separadamente e acrescentadas no momento de servir. O jambú é célebre por causa da sensação de formigamento que ocasiona nos lábios e a leve anestesia da boca6 que é sentida, por alguns, como se fosse « a mordida de um beijo »
Enfim, o tacacá não pode ser apresentado em nenhum outro recipiente que não seja a cuia (Crescenta cujete) ou a cuia pitinga, que é pintada de preto com a resina do cumaté, ou com as próprias folhas fermentadas da mandioca, para impermeabilizá-la. Atualmente a cuia utilizada pode estar decorada com desenhos gravados na face exterior.
Os componentes do prato são, entretanto, suscetíveis de variar segundo os lugares e as épocas. Segundo Ruth Cortez, as tacacazeiras de Boa Vista (Roraima) substituem o jambú por folhas de couve cortadas em tiras. Apresentado como sendo uma «criação da mulher amazônica», o tacacá contém ocasionalmente alguns ingredientes surpreendentes, segundo Nunes Pereira (1974: 9): grãos de farinha de tapioca misturados ao tucupi, peixes, camarões, rãs, folhas de jambúe pimenta murupi. O folclorista Câmara Cascudo (2004: 135) menciona antigas receitas nas quais outros ingredientes integram o tacacá, tais como « peixe, carne, alho, pimenta, sal, camarões secos».
Que prato é este? Uma sopa, um caldo, uma bebida? As opiniões estão divididas entre os consumidores e os escritores (Orico, 1972; Tocantins, 1987; Câmara Cascudo, 2004) na hora de categorizar este alimento que acumula paradoxos: ele é uma bebida que se come, um caldo quente que refresca, uma especialidade do interior4, mas que é especificamente urbana. Todos concordam, contudo, ao reconhecerem que o tacacá é um dos pratos mais «típicos», uma «especialidade fundamental do Pará», mesmo se ele é consumido em outros estados da Amazônia (Amazonas, Amapá, Roraima, Rondônia, Maranhão, Acre).
Os livros de receitas regionais não se furtam de mencioná-lo e a elaboração do prato pode parecer muito simples aos leitores (Fernandes, 2000). Entretanto, a receita do tacacá exige todo um savoir-faire, « uma mão », ou seja, conhecimentos e qualidades reservados às especialistas locais, astacacazeiras, que vendem o prato nos pontos de rua. O segredo de um bom tacacáreside tanto nessas qualidades, que tornaram célebres certas tacacazeiras de Belém, como na escolha dos ingredientes, os quais exigem um tratamento elaborado. Uma dessas especialistas, a Dona Teodora, nos revela seu processo de preparação:
“Eu compro a mandioca lá no Ver-o-Peso. O Seu Moacir guarda a mandioca amarela pra mi. Sabe, tem que comprar mandioca amarela. A melhor vem do Acara. Antes eu ia duas vezes por semana no mercado, ou mais. Também compro camarões, chicória, jambú, pimenta, todo, eu compro todo no Ver-o-Peso. Eles já me conhecem, a minha comadre esta lá. Escolho a mandioca, Moacir manda ralar no seu caititu para tirar o tucupi, é assim rala, coloca a massa no saco e na prensa, viu? Aqui no mercado só homens ralam mandioca, as mulheres ficam com vergonha, mas lá no interior elas fazem. Eu ralava mandioca quando era moça... Chegando a casa, deixo descansar varias horas até a goma ficar no fundo, tem que tirar, sai suja, tem que lavar bem até ela ficar branquinha. Depois ainda tem que filtrar várias vezes o tucupi antes de colocar no fogo e depois mexer sem parar até ferver. Si não fazer desse jeito fica cheio de bolinhas, fica feio. A gente deixa ferver muito com alho e chicória, pois tem que tirar o veneno do tucupi. Quando eu lavo o jambú eu tiro a florzinha amarela; têm outros que deixam, mas eu tiro uma parte. Si não tirar, vai tremer, a freguesia não gosta que treme muito. Depois cozinho o jambú na água do tucupi para que o jambú fique amarelinho, bonito. Pode cozinhar parte, mas eu não gosto porque então fica verde, parece cru, entendeu? Os camarões, você tem que lavar, tirar o sal, ferver também. Eu cozinho eles e tiro a cabeça mas tem que deixar o rabo para os fregueses poder pegar com os dedos sem se queimar... O mas difícil e fazer a goma. Aí sim tem que ter mão boa. Se faz na última hora. Veja só, você mistura a goma com água e faz ferver com fogo alto mexendo sempre para não fazer bolinhas até ficar liso e cremoso, bonito, no ponto. A gente vê que está no ponto deixando cair da colher. Assim viu? Das quantidades isso eu não sei, não, tem que ter uma mão, mão boa. Tem que ter pimenta de cheiro, viu? Porque ela é amarela e todo precisa ser amarelo exceto a goma que deve ser branca. Aqui têm alguns que colocam corante para o tucupi ficar mais amarelo, mas em outros lugares não é assim, em Manaus usam mandioca branca para fazer tucupi! Tem mais, você sabe qual é a única coisa no mundo que vira doce quando você coloca sal? E o tucupi!” (Dona Teodora, 2005).
O gosto do tucupi varia, ainda, em função das ervas e temperos que são acrescentados ao sumo de mandioca em ebulição: alho, pimenta (denominada de cheiro, uma variedade pouco ardente de Capsicum frutescens) e duas ervas que são utilizadas conjuntamente, formando um «casal» inseparável: a chicória(Eryngium foetidum)e a alfavaca, um manjericão regional. Para desgosto dos puristas, certas cozinheiras acrescentam também urucum (Bixa orellana) para colorir o tucupi. Outro ingrediente indispensável e característico do tacacá é o jambú (Spilanthes acmella), cujas folhas são preparadas separadamente e acrescentadas no momento de servir. O jambú é célebre por causa da sensação de formigamento que ocasiona nos lábios e a leve anestesia da boca6 que é sentida, por alguns, como se fosse « a mordida de um beijo »
Enfim, o tacacá não pode ser apresentado em nenhum outro recipiente que não seja a cuia (Crescenta cujete) ou a cuia pitinga, que é pintada de preto com a resina do cumaté, ou com as próprias folhas fermentadas da mandioca, para impermeabilizá-la. Atualmente a cuia utilizada pode estar decorada com desenhos gravados na face exterior.
Os componentes do prato são, entretanto, suscetíveis de variar segundo os lugares e as épocas. Segundo Ruth Cortez, as tacacazeiras de Boa Vista (Roraima) substituem o jambú por folhas de couve cortadas em tiras. Apresentado como sendo uma «criação da mulher amazônica», o tacacá contém ocasionalmente alguns ingredientes surpreendentes, segundo Nunes Pereira (1974: 9): grãos de farinha de tapioca misturados ao tucupi, peixes, camarões, rãs, folhas de jambúe pimenta murupi. O folclorista Câmara Cascudo (2004: 135) menciona antigas receitas nas quais outros ingredientes integram o tacacá, tais como « peixe, carne, alho, pimenta, sal, camarões secos».
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